Por Paulo Moreira Leite na Época
A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o governo brasileiro a investigar a execução e o desaparecimento de 62 prisioneiros da guerrilha do Araguaia constitui um feito histórico, que joga luzes sobre um tema que ocupa o lugar central na democratização do país.
A Corte Interamericana só condenou o Brasil porque até hoje, 30 anos depois da democratização, após cinco presidentes civis, nenhum governo foi capaz de dar uma resposta satisfatória a uma tragédia que marca a nossa história, envergonha os contemporâneos e coloca dúvidas relevantes para as futuras gerações.
A leitura dos autos da sentença demonstra que ali se realizou um debate estritamente jurídico — e isso é o aspecto mais interessante.
Até aqui o principal argumento para evitar qualquer investigação a esse respeito é político.
Consiste em dizer que em 1979 o Congresso aprovou — em pleno regime militar – uma Lei de Anistia que implicava no perdão para os acusados de cometer crimes de sangue. Foi essa brecha — questionada por vários estudiosos — que permitiu que se impedisse a investigação sobre oficiais responsáveis pela captura, tortura e execução de adversários do crime. Incluia-se esse tipo de violência na categoria de crimes políticos.
A sentença da Corte Interamericana coloca a discussão sobre um novo ângulo.
Não questiona o regime nem sua legitimidade. Não entra nas interpretações sobre a Lei de Anistia. Os juizes, que deram seu veredito por unanimidade, também não entraram no mérito da luta armada, se era legítima ou não, acertada ou não. Considerações dessa natureza não tem relevancia, aqui.O que se quer é debater a natureza dos crimes em discussão. A visão da Corte é que a execução e desaparecimento de presos políticos são crimes de natureza permanente e contínua. Podem ter ocorrido há quase 40 anos, há 30 anos ou há 20 anos mas seus efeitos não deixam de se manifestar até hoje.
Explica-se. Um assassinato não pode ser corrigido. O desaparecimento de uma pessoa só deixa de ser um crime contínuo caso seus restos sejam localizados e entregues às famílias. Por isso é preciso esclarecer onde se encontram os restos dos mortos e apontar quem são os responsáveis.
Não importa, para a Corte, os arranjos e acertos de 1979. Há uma realidade maior que não pode ser ignorada, por mais que o contexto político de outra época pudesse apontar em outra direção.
Este é o ponto em debate, agora. Pelos tratados internacionais assinados pelo país, o Brasil assumiu o compromisso de acatar as deliberações da Corte.
Se você ainda não leu, pegue aqui o link para ler a sentença na íntegra:
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