28 de set. de 2011

Nazismo na Amazônia


Por Edilson Martins no blog do Noblat

Que nos anos 30, do século passado, mais exatamente na segunda metade daquela década, às vésperas da 2ª Grande Guerra, a Amazônia foi visitada, percorrida e pesquisada por uma expedição alemã não constitui uma revelação inédita, bombástica.
Embora restrita, praticamente desconhecida pelo país, revelação mesmo é a existência de um longa-metragem, contando os feitos, nada venturosos, dessa expedição.
Um hidroavião, “Água Marítima”, se despedaçou no meio de toras de madeira em pleno rio Jari; um barco imenso conduzindo câmeras, armas potentes, material de cartografia, provisões, alimentos, afundou durante as enchentes de inverno; e, finalmente, um dos líderes dessa odisséia, Joseph Greiner, terminou, fulminado por uma malária, tendo os pés enterrados à frente da cachoeira de Santo Antônio, em verdade uma das mais belas cataratas de toda a Amazônia brasileira.



Entre os anos 1935/1937 essa expedição permaneceu no rio Jari, na foz do Amazonas, portanto num dos pontos mais estratégicos, senão o mais, de acesso à região amazônica.
A expedição, como de resto outros feitos da Alemanha nazista, ambiciosa, ciente de que dominaria o mundo, levada pelo sentimento e certeza de raça superior, terminou afogada em delírios de poder.
Seus principais líderes foram: Gerd Kahle, chefiando o grupo; Joseph Greiner, responsável pela ordem interna da expedição; Otto Schulz-Kampfhenkel, aviador, amigo de Hermann Göring, ministro da Aeronáutica de Hitler.
Hermann Göring, em verdade, foi quem patrocinou toda a expedição, que de científica é difícil se provar. Havia também Gerhard Krause, mecânico de avião e operador de som.
Não menos curioso é que o pai da antropologia brasileira, Curt Nimuendaju, alemão que vivia em Belém trabalhando para o SPI (Serviço de Proteção aos Índios), atual FUNAI, e considerado o pai da Antropologia brasileira – Darcy Ribeiro dizia ser ele o seu criador – foi convidado a participar. Recusou. Odiava tudo o que cheirava a nazismo.
Um outro capítulo não menos interessante, senão patético, dessa incursão, é que a potência mais poderosa do mundo, que rasgou tratados internacionais invadindo a Checoslováquia, Áustria, Polônia, França e Rússia, entre outros, recorria aos aborígenes mais primitivos, dos que sobraram na América do Sul, para conduzir a expedição.
Estamos falando dos índios Aparaí, habitantes da bacia do Jari, que vemos nas imagens do filme, ciceroneando a expedição, conduzindo alegremente as bandeiras nazistas, índios esses que àquela época eram absolutamente ignorados pelo estado brasileiro.
Se judeus, ciganos, negros e mestiços eram vistos como raça inferior, o que dizer desses selvagens, em plena idade da pedra, ágrafos, separados do chamado processo civilizatório há 10 mil anos, mergulhados num mundo sobrenatural, que não questionavam, não viviam a dúvida?
A expedição era robusta e nada modesta. Além dos Aparaí, foram contratados 30 mateiros, caboclos conhecedores da selva, desbravadores de rios, e que circulavam com naturalidade num meio hostil, dominado por cobras, malária, arraias, mosquitos e animais altamente predadores.
Vivíamos uma verdadeira lua de mel com a ideologia nazista. Getúlio Vargas, e de resto uma parcela importante de nossas forças armadas, não escondiam a simpatia pela Alemanha de Hitler.
O país, através de Getúlio Vargas, ora adulava a Alemanha, ora os Estados Unidos. E assim caminhávamos, no fio da navalha, às vésperas da 2ª Guerra Mundial.
Tanto isso é verdade que a expedição, ao impactar os líderes e a população da Amazônia, tal era a tecnologia exibida, foi festivamente recebida e certamente ajudada pelo Governador do Pará, José Carneiro da Gama Malcher, e pelo General Manuel de Cerqueira Daltro Filho.
A Alemanha de Hitler – tudo sinalizava – era a bola da vez para dominar o mundo.
Não custa informar que a ideologia alemã tinha simpatizantes nas nossas forças armadas – Eurico Dutra, ministro da Guerra e futuro Presidente da República, Góis Monteiro, também ministro da Guerra, Filinto Müller, de triste memória.
Havia também intelectuais e religiosos ilustres, robustos, como se diria hoje, simpatizantes do 3º Reich: Dom Helder Câmera, San Tiago Dantas, Augusto Frederico Schmidt, Adonias Filho, Câmara Cascudo, José Lins do Rego, Miguel Reale e tantos outros.
Tudo, ou quase tudo, nessa incursão namora o bizarro. Senão vejamos: apesar de toda a busca pela pureza racial, Otto Schulz-Kampfhenkel, membro do Partido Nazista, terminou vivendo uma paixão tórrida, pela bela Macarrani, filha do cacique Aparaí, disso resultando um cruzamento da “superior” raça alemã com uma selvagem. A carne é fraca.
Nascia, nos idos de 1937/38, a caboclinha batizada Cessé, de olhos estonteantemente azuis, e que passou a ser chamada, pelos seus contemporâneos, de “alemoa”. Ah... Se Hitler ganha a guerra!...
E vai agora mais uma curiosidade: 30 anos após a permanência da turma de Hitler, no mesmo local, no mesmo rio Jari e na mesma foz do Amazonas, o Governo militar, saído do golpe de 1964, cede essa região ao milionário norte-americano Daniel Keith Ludwig.

É criado, portanto, o polêmico e famoso Projeto Jari. Ludwig foi levado à presença de Castelo Branco, nos idos de 1967, pelas mãos de Roberto Campos, e seu projeto produziu uma imensa polêmica nacional envolvendo forças armadas, intelectuais, comunistas e nacionalistas. 


Dizia-se que o Brasil estava entregando a Amazônia ao capital estrangeiro. O nacionalismo sempre foi paranóico, heróico e ridículo. 


Diante de todo esse histórico, podemos até dizer, ampliando no possível as teorias conspiratórias, que ali, nas margens do vale do Jari, foz do Amazonas, tem coisa.
 AmazôniAdentro - trecho

Edilson Martins, é jornalista, documentarista e escritor. Trabalha há 40 anos na região amazônica, principalmente com temas sociais, ambientais e indígenas. Recentemente dirigiu a Série “AmazôniAdentro”, exibida na TVBrasil.

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