Nossa saúde privada é um arremedo por Paulo Moreira Leite
Nada é tão revelador do fracasso do modelo de saúde criado no Brasil do que o boicote das associações médicas de São Paulo a determinados planos privados.
A proposta é deixar de atender pacientes de cinco instituições que vendem serviços e pagam honorários vergonhosos para os profissionais encarregados de atendê-los.
Num primeiro momento, especialistas em ginecologia e obstetrícia recusaram atendimento. Agora, chegou a vez de dermatologistas. E assim por diante. O objetivo é pressionar os planos de saúde a reajustar seus honorários.
Os médicos tem razão em dizer que recebem uma remuneração incompatível com sua formação e seus custos. Estão certíssimos ao afirmar que pagamentos irrisórios impedem um serviço cuidadoso e responsável. Quem já entrou na fila dos consultorios e das consultas sabe do que estou falando.
Mas o problema real é anterior. Estamos falando de uma reivindicação correta num modelo errado.
Os modelos privados de saúde são pouco eficientes por natureza. Encarecem a medicina e estão longe de oferecer um tratamento melhor aos pacientes, como demonstram estudos comparativos entre países desenvolvidos.
A saúde americana é a única que segue um modelo privado, fonte de inspiração para o que se faz no Brasil. Seus custos equivalem ao dobro do que se pratica na Europa. Mas o serviço é muito pior. Não é acessivel aos mais pobres e envolve despesas que poderiam ser reduzidas num sistema mais amplo, sem características de competição e concorrencias típicas das empresas privadas. Estamos falando da proteção à vida humana, não é mesmo?
Por falta de cobertura médica, uma pessoa pode ser atropelada nos EUA, receber uma cirurgia de urgencia e passar o resto da vida pagando as despesas, que incluem até juros normais de banco, como se fossem gastos com a compra de um carro zero ou de uma viagem de férias ao exterior.
No Brasil tentou-se plagiar este modelo numa sociedade com uma renda muito menor e pessimamente distribuída. O resultado é um arremedo de saúde privada, pois poucas pessoas podem pagar o que seria necessário para que os planos pudessem ter uma contabilidade em ordem.
Sem dinheiro no bolso, muitos pacientes pagam planos com coberturas simbolicas e só não precisam arcar com despesas de aspirina e esparadrado quando levam o filho ao pronto-socorro. Sem recursos suficientes, os planos privados se encostam na rede pública, onde tentam privatizar leitos e realizar cirurgias mais caras e complexas, o que gera distorções e abusos conhecidos.
A única semelhança entre os dois modelos é a força política. Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, os planos de saúde seduzem políticos, bancam campanhas, oferecem jatinhos — e conseguem o que querem.
No Brasil, acabam de ganhar mais três meses para cumprir uma norma da Agencia Nacional de Saúde Complementar, que proibe que os pacientes sejam obrigados a aguardar mais de uma semana em consultas de pediatria, clínica médica, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia.
Nos EUA, a força dos lobistas privados patrocina o partido republicano e impede todo esforço para se criar um sistema público.
Acredite: comparado com aquilo que se oferece por lá, o SUS brasileiro é um modelo de civilização. Por isso deve passar por reformas profundas em sua gestão, controlar desperdícios e e abusos. Mas precisa ser fortalecido e ampliado, a menos que apareça uma solução melhor para um país de 200 milhões de habitantes e salário médio de R$ 1300.
Este é o debate.
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