De Natal no Terran Magazine
A sucessão de denúncias de corrupção envolvendo membros do Governo Federal contribuiu para revelar um estilo novo na condução de casos potencialmente negativos. A presidente Dilma, aos poucos, foi firmando uma forma diferenciada de lidar com aliados complicados (e implicados em situações vexatórias). Muito diferente do que estávamos acostumados durante o governo do Presidente Lula. Este, lembremos, negociava até a exaustão. Ouvia muito, ponderava e procurava soluções que contentassem minimamente todos os seus parceiros. Nos escândalos, jogava o seu capital político na defesa dos aliados. Jogava bem, diziam até os adversários.
Lula fazia bem o que sempre se fez neste país de conciliábulos: produzir acordos e transições indolores. Esse é o mundo da racionalidade política, diriam não poucos. Mas essa suposta racionalidade é, antes de tudo, uma expressão da forma masculina de transitar no espaço público. Neste, os homens agem como se movidos por "grandes questões". Por isso mesmo, não têm tempo e nem disposição para os detalhes, as pequenas coisas. Em consequência, são condescendentes. Com eles mesmos e com os outros. As questiúnculas, menores, são deixadas para o mundo feminino. Dessa forma, eles se dão ao luxo dos jogos de poder, enfrentando-se como honrados duelistas, mesmo quando estão disputando o assalto a nacos do Estado. Esse maneirismo, raras vezes quebrado (não por acaso o Bolsonaro é um outsider até entre os que comungam as suas escatológicas proposições), dota disputa política em geral, e a brasileira muito particularmente, dos traços e marcas do mundo masculino.
A eleição de Dilma, até certo ponto, é um subproduto do machismo político. Foi deliberadamente construída como a "mãe do PAC". A maternidade tem algo de negação de feminilidade. Machistas empedernidos quedam-se chorosos aos pés da mãe. E esta, na visão dos filhos, é assexuada e inteiramente dedicada à realização dos rebentos. As tarefas, por ela assumidas, são obsessivamente perseguidas.
Dilma foi a "mãe" que Lula, esse gênio político, encontrou para nos vender a continuidade. O PT e os aliados aceitaram a aposta até porque não tinham uma alternativa a oferecer. Mas, no fundo, devem ter pensado: "Deixa estar. Logo, a gente continua com os nossos joguinhos. A mãe cuida da casa, e a gente vai tomar conta das estradas, pontes e de todos os bons negócios. Ela estará ocupada cuidando dos adereços e decorações". Tudo caminhava nessa direção. Até um irmão mais velho, o Tio Palocci, foi chamado para representar a família e gerir a relação com a filharada. Era o "homem" da casa. É assim em algumas sociedades matrilineares: o irmão da mãe toma conta dos filhos (sobrinhos).
Mas o imprevisível aconteceu. Para desgraça dos filhos, especialmente dos rebentos agrupados no PR, o irmão da mãe teve que sair de casa, defenestrado pelos motivos que todos nós sabemos. Nesse momento, começou a virada do jogo dentro da casa. E Dilma deixou de ser a mãe para ser uma mulher jogando no meio dos homens.
Trazer para o centro das decisões a Senadora Gleisi Hoffman e a ex-Senadora Ideli Salvati foi uma jogada de risco, incompreendida por não poucos, mas coerente com algo com o que vai se configurando como o jeito Dilma de gestão. Não por acaso o machismo pátrio acusou o golpe. As nada elegantes avaliações do ex-ministro Nelson Jobim sobre suas colegas de ministério, em matéria publicada na revista Piauí, expressam o inconformismo do mundo masculino com a revolução silenciosa que as mulheres estão fazendo no Palácio do Planalto.
Edmilson Lopes Júnior é professor de sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
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