Por Paulo Moreira Leite
O conservadorismo contemporâneo tem três características. É menos culto do que o desejável. É autoritário e não tolera diferenças.
Para este pensamento, vivemos num mundo tão bem organizado e bem encaminhado na solução dos problemas da maioria das pessoas que a atitude mais sensata é cruzar os braços e deixar que os interesses egoístas do mercado — a definição é de Adam Smith –faça o serviço de melhorar a existencia da humanidade.
Sempre que ocorre um disturbio nesse universo ordenado, bem sucedido e condenado ao progresso o conservadorismo enxerga apenas crime ou loucura, situações que em seu ponto de vista só permitem duas soluções possíveis: a delegacia ou o hospício. A primeira é usada para quem se pretende reprimir. A segunda, para quem se quer esconder.
Voltamos a Michel Foucault, ao mundo de vigiar e punir.
É assim diante dos disturbios ocorridos em Londres. Foi assim com o atentado
terrorista na Noruega.
terrorista na Noruega.
Respeitando a ordem cronológica. Não importa que depois do atentado na Noruega aqueles fascistas assumidos da Europa tenham saudado o novo membro do clube. Cuidou-se de reduzir sua importancia, afastar personagem tão repulsivo de parceiros políticos que, pouco a pouco, ameaçam tornar-se parte relevante da paisagem política, escondendo as implicações incomodas que um namoro fugidio mas crescente com o fascismo pode representar para a democracia.
A versão conservadora do ataque terrorista em Oslo sustenta que foi obra de um psicopata sem conexões com a extrema-direita européia, que cresce em ritmo acelerado em vários países do Velho Continente, alimentando-se de uma retórica identica, que possui duas faces que se completam.
O discurso racista contra estrangeiros, acusados de roubar empregos e ameaçar os valores mitológicos da civilização cristã-ocidental, ajuda a alimentar o preconceito da massa desesperada pela queda no padrão de vida. Já o discurso contra o Estado de bem-estar social, acusado de patrocinar conquistas que colocam as finanças do país em risco, serve para abrir as portas (e os cofres) da elite.
Num continente ainda traumatizado pelos horrores da Segunda Guerra, é sempre conveniente dissimular uma realidade política já visivel. A cada dia que passa, uma fatia crescente fatia daquele antigo conservadorismo tradicional, legitimo, com raízes históricas, dá os braços ao fascismo para ganhar eleições, formar governos e aplicar políticas de Estado. Alguns se aliam diretamente, como Sylvio Berlusconi, na Italia. Outros fazem aquilo que o fascismo faria, como frances Nicolas Sarkozy, cada vez mais duro com estrangeiros.
Quando aparece um fascista que usa uniforme e emprega uma linguagem sem rodeios, é bom tratá-lo como doido.
Da mesma forma, os disturbios de Londres são apresentados como simples caso de policia. Será?
Você e a torcida do Manchester United podem até considerar que a polícia inglesa poderia ter agido com mais energia. Mas a violencia de Londres tem um fundo material e envolve uma virada na história comparável às explosões urbanas ocorridas nos Estados Unidos, no apogeu da luta pelos direitos civis dos anos 60.
Naquele momento, várias cidades também foram queimadas, lojas foram destruídas e cidadãos foram assassinatos naquele curto-circuito social onde a raiva política explode em métodos tipicos do crime comum, a partir de um grito de guerra: “Burn, baby, burn…”
Décadas depois, numa visita que fiz a rua L, em Washington, centro nervoso da violencia, ouvi comerciantes que assistiram a baderna com os próprios olhos e até hoje lamentam o que ocorreu. Nem eles, porém, deixam de admitir que havia “alguma coisa” a mais nos conflitos.
Há “alguma coisa” a mais em Londres, como observa Rogério Simões em texto publicado esta semana, na Epoca.
Não é complicado adivinhar o que acontece. Os imigrantes das antigas colonias européias foram trazidos ao Velho Mundo para cumprir a função de mão-de-obra barata de sua economia. Foi um acordo que interessava as duas partes, pois permitia ganhos para todo mundo — ainda que em partes desiguais. O segredo desse pacto era invisível mas claro para os interessados.
Uma das partes era a dominante. A outra, subordinada. Uma tinha direitos e prerrogativas. A outra, ficaria com as sobras. Deveria, também, ter o pudor de esconder costumes exóticos, trajes estranhos e reservar ambientes privados para manifestar preferencias por religiões muito esquisitas.
Décadas depois, quando a crise levou embora até as migalhas para alimentar os menos favorecidos, esse mundo explodiu, expelindo um espetáculo de energia e feiúra. A mensagem política parece clara: os filhos e netos dos subordinados não aceitam o tratamento de antes. Querem entrar na partilha com uma fatia maior. Até porque conseguiram estudar, casaram-se, tiveram filhos…
O problema é delegacia?
Não. Aquele admirável mundo novo em que todos só teriam de cuidar do próprio egoísmo enquanto o mercado faria o resto desabou com a crise. A crise está no centro do sistema e não na periferia. Quem não percebeu isso não percebeu nada.
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