Por Lúcio de Castro no seu blog no Espn.com.br
Um breve passeio pela história da bandidagem, dos tempos românticos até hoje, nos mostra que homens se vão desde sempre mas o crime segue. Por isso ninguém deve soltar fogos quando um bandido deixa o posto mas fica a estrutura intocada.
Sempre foi assim. E bandidos lendários sempre povoaram o imaginário popular. Mineirinho foi um dos pioneiros a ganhar dimensão quase pop, capa dos jornais todos os dias. Tempos românticos se comparados com os dias de hoje. No meio da malandragem, diz-se que José Rosa de Miranda virou Mineirinho porque defendeu Isabel do temido bandido Arubinha. Morto o rival, não restou alternativa para Mineirinho, já afamado e conceituado em Mangueira. Sua morte parou o Rio no distante ano de 1962. O cerco ao bandido é uma espécie de primeiro treino do Garrincha no imaginário da gente da cidade: todo mundo sabe de alguém que viu ou estava quando Mineirinho foi cercado por dezenas de policiais e fuzilado.
Manoel Moreira foi mais um cidadão pacato que se transformou da noite para o dia no bandido inimigo número um da sociedade, que, como se sabe, precisa de um personagem do tipo para acompanhar a vida. Morador da favela do Esqueleto, atual campus da UERJ, atrás do Maracanã, o bandido conhecido como Cara de Cavalo decretou sua morte quando matou em tiroteio o detetive Milton Le Cocq, vingado com mais de 100 tiros na primeira ação da Scuderie Le Cocq. Foi Cara de Cavalo que inspirou Hélio Oiticica a fazer o poema-bandeira “Seja marginal, seja herói”, que homenageava o amigo de boas resenhas em Mangueira.
Lúcio Flávio Vilar Lírio provavelmente foi o de mais glamour. Articulado, é dele a tão simples quanto genial frase “Bandido é bandido, polícia é polícia, como água e azeite, não se misturam”, de um tempo em que as coisas ainda eram pensadas assim, e não se misturavam tanto realmente. “Noquinha” foi definitivamente alçado a condição de mito ao ser representado no cinema por Reginaldo Faria.
O contato dos presos comuns nos anos de ditadura com presos políticos ajudou a inauguração de uma nova era: no lugar dos bandidos glamourosos, cavaleiros solitários, vieram as organizações criminosas, facções. Ainda assim, como é necessidade do ser humano acompanhar a vida de personagens míticos, alguns bandidos históricos seguiram surgindo. Nos primórdios das organizações, José Carlos dos Reis Encina talvez seja o mais notório. Chefão do Juramento, Escadinha protagonizou fuga espetacular de helicóptero, digna de roteiro hollywoodiano. Meio-Quilo, Professor e outros eram desses primórdios.
Mas foi em 1994 que o Rio viveu uma de suas mais espetaculares histórias de crimes que viraram lendas. Com a bandidagem já organizada em facções, Orlando Jogador e Uê dividiram o comando da mesma facção. O primeiro no Morro do Adeus e o segundo no Alemão. Até que Uê virou inimigo de Jogador. Mesmo sendo inimigo, Uê armou uma cilada para que Jogador acreditasse nele e prestasse socorro para uma suposta dívida com a polícia. Na fatídica noite, levando os 60 mil dólares pedidos como ajuda, Jogador foi emboscado pelo bando de Uê e metralhado.
O caso, que Hollywood já deveria ter farejado como roteiro espetacular, povoou o cotidiano carioca por meses, por ter todos os elementos que uma trama fantástica requer. Ao longo desses anos, vi histórias bem parecidas com a traição de Uê a Orlando Jogador e a troca de quadrilhas, quer no mundo corporativo, quer nas mais diversas instituições. Vivo fosse, Uê seria um belo palestrante para o mundo das empresas. Seu “case” como se diz por aí virou modelo em muitas empresas. A vingança de Jogador veio alguns anos depois, quando o time de Fernandinho Beira-Mar trucidou Uê em pleno presídio de segurança máxima Bangu 1.
Ficou a lição: nenhum bandido é eterno, nenhuma quadrilha é eterna. Mas se o “sistema” não for golpeado e tiver sua raiz cortada, (investigação de bens do criminoso e dos próximos, evolução patrimonial compatível com a renda, declaração de renda, etc ) todo bandido será substituído por outro e a vida bandida segue. Com sorte, (e contando com a impunidade governamental e a cumplicidade de setor da imprensa) o bandido que deixa o poder vai viver o resto da vida em Miami, trilionário, rindo dos outros e confessando que "...anda para a opinião pública". E o “sistema” continua...
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