Da IstoÉ
Como uma comunidade verde erguida no deserto do Arizona, há quatro décadas, quer deixar de ser um sonho hippie para se transformar em lar para moradores ambientalmente corretos
Michel Alecrim
g>ALTERNATIVAArcosanti se destaca na paisagem árida do deserto
do Arizona. Abaixo, turistas e estudantes visitam a cidade
A minicidade erguida em pleno deserto do Arizona, nos Estados Unidos, pode parecer até uma miragem ao viajante desavisado. E Arcosanti tem mesmo muito de sonho. Foi idealizada pelo arquiteto italiano Paolo Soleri para ser a primeira cidade totalmente ecológica do mundo. Suas construções, com cúpulas abertas e traços futuristas, em meio a altos ciprestes, remetem ao onírico. Depois de 40 anos de fundação, seus pouco mais de 50 moradores resolveram “cair na real”, digamos assim, e tornar o lugar algo maior do que um refúgio verde com espírito bicho-grilo. Eles estão começando a erguer um complexo para cinco mil pessoas a fim de provar que é possível conciliar poluição zero com vida econômica mais intensa. Para isso, o próprio idealizador da cidade abandonou o seu comando recentemente, aos 92 anos. A missão de concluir o projeto caberá ao discípulo Jeff Stein, um ex-professor universitário de 60 anos.
Para crescer, Arcosanti não deve emular a vizinha Phoenix, capital do Estado, com seus arranha-céus tipicamente americanos. A arquitetura local é projetada para aproveitar ao máximo a luz e a energia solar. A premissa é de também só usar matérias-primas locais para as construções, que não podem causar impacto na paisagem. A agricultura totalmente orgânica também é parte do estatuto do lugar. Hortaliças e ervas são cultivadas como num jardim doméstico. Mas, além de teorias, a cidade precisa de dinheiro.
Parte do orçamento anual de aproximadamente US$ 1 milhão vem de consultorias e doações. A mina da fortuna, no entanto, pode estar nos turistas e estudantes que visitam Arcosanti todos os anos. Atualmente, eles são 25 mil. “Não sei por que alguém decidiria morar ali. Essas decisões envolvem mudanças de hábito, de cultura, de convivência, além da questão econômica”, indaga a arquiteta Cecília Herzog, que preside o Instituto Inverde.
SONHADOR
Arcosanti foi idealizada pelo arquiteto italiano Paolo
Soleri como um “laboratório urbano alternativo”
Gerônimo Leitão, professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) acredita, no entanto, que a cidade nunca passará de um “laboratório”. Ele vê semelhanças do projeto com experiências frustradas do modernismo do século XX, quando os arquitetos se empenharam em criar espaços ideais, ignorando necessidades básicas. “O verdadeiro desafio é pegar os princípios de sustentabilidade e aplicá-los numa grande cidade ou nas metrópoles”, defende o professor.
Cecília Herzog crê que o primeiro passo para que Arcosanti se viabilize como uma cidade é criar um transporte mais ecológico para se chegar até lá. Por enquanto, seu único acesso é por meio do famigerado e poluente automóvel. “Vários países estão criando bairros verdes, que estão dando certo. Não são ilhas ideais, mas não adianta fazer projetos muito sonhadores”, declara a ambientalista. O avanço do projeto de Arcosanti tem como frente, no momento, melhorias na estrada de acesso. Ele será concluído com a construção de uma grande catedral ecumênica para moradores e visitantes. Se a cidade será a opção de muitos para moradia, ninguém sabe. Mas não há dúvida de que estará apta a atrair muito mais turistas e curiosos.
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