Por Léo Rosa de Andrade
É o processo mais politizado que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal. José Dirceu é a “causa” do processo, embora seja apenas parte dele. Há uma espécie de consenso iracundo – que me parece construído – posto em circulação, habitando capas de grandes revistas e jornais nacionais. Quer dizer: o sujeito está socialmente condenado, e se o STF porventura inocentá-lo, restará igualmente execrado pela opinião pública nacional, sobrando ainda mais desmoralizado (e não sem motivos) o Poder Judiciário brasileiro. A mim não me interessa o destino do político, mas a “via juris” do cidadão José Dirceu.
Ao cidadão, não o creio inocente, mas, igualmente, não o considero culpado. Não sei se ele é inocente ou culpado de envolvimento no chamado mensalão. E por enquanto, sem julgamento, ninguém tem o direito de sabê-lo. A questão que levanto, em verdade, não se chama José Dirceu. Seu nome é Princípio da Inocência, uma das conquistas mais caras da civilização ocidental democrática. No ordenamento jurídico brasileiro, a sua previsão é constitucional: inciso LVII do artigo 5° da Carta. Seja: por vedação constitucional, não tenho licença para considerar alguém culpado antes que a Justiça o considere como tal em caráter definitivo.
O STF, na ADPF n° 144, relato de Celso de Mello, decidiu, negando pretensão da Associação dos Magistrados Brasileiros de atropelar esse Princípio: presunção constitucional de inocência: é “um direito fundamental que assiste a qualquer pessoa… [e] que se qualifica como valor fundamental, verdadeiro ‘cornerstone’ em que se estrutura o sistema que a nossa carta política consagra em respeito ao regime das liberdades e em defesa da própria preservação da ordem democrática…” (Diogo Rais, atualidadesdodireito). Quero dizer, com essa transcrição, que não estou meramente opinando: trata-se de uma afirmação constitucional confirmada pelo Supremo.
Este Princípio é uma protestação do indivíduo diante do Estado déspota; confunde-se com a ideia de pressuposta confiança em cada cidadão, base da República. Com repercussão universal, foi inaugurado pela institucionalização da Revolução Francesa, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Em 1948 o mundo o confirmou, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e, finalmente, ratificou-o em 1966, pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Posteriormente, em 1969, a Convenção Americana de Direitos Humanos o abonou (Simone Schreiber, JUSnavigandi). O Brasil é, pois, comprometido com essa conquista.
Quando foram denunciados os réus do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa, do STF, foi o responsável por verificar a admissibilidade da denúncia. O ministro recebeu-a. As razões de admissibilidade são jurídicas, mas redigidas com efeitos retóricos retumbantes e traduzidas por parte significativa da imprensa como sentença condenatória. O condenado destacado foi José Dirceu. Acabou-se, aí, a racionalidade jurídica democrática. Este réu ficou estigmatizado, sem uma réstea de credibilidade para opor em sua defesa. O Princípio da Inocência, no seu caso, diluiu-se em uma insuportável campanha de mídia, capaz, até, de afetar a mais alta Corte do País.
“Os meios de informação desempenham função determinante para a politização da opinião pública. Alguns autores [equiparam] a imprensa a um ‘Quarto Poder’, com força capaz de determinar as decisões dos três poderes institucionais – Executivo, Legislativo e Judiciário, demonstrando a avassaladora influência dos meios de comunicação em massa na formação da opinião pública. Em função do atual processo de comunicação em massa … a mensagem em si ocasiona transformações profundas na sociedade, permitindo não somente transmitir conhecimento, mas moldar realidades” (Marcos Antônio Pereira, Conjur). Há muito em jogo, não?