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Por Paulo Moreira Leite
Muitos brasileiros tem uma atitude peculiar em relação a Fernando Henrique Cardoso. Nem sempre concordam com o que ele diz ou pensa. Mas frequentemente torcem para que esteja certo.
No aniversário de 80 anos, FHC não é um político popular. Já foi. Na época do Real, FHC foi eleito e reeleito. Poucos políticos estiveram tão associados às mudanças políticas ocorridas no país nos últimos 40 anos. Quando candidatou-se ao Senado, ainda na ditadura militar, o próprio Luiz Inácio Lula da Silva, sindicalista, distribuiu panfleto em porta de fábrica pedindo voto em Fernando Henrique. FHC não ficou com a cadeira, capturada por André Franco Montoro, mas teve uma votação respeitável.
No alto de minha insignificancia, eu era militante estudantil em 1976, na USP, quandoparticipei de um debate com o sociólogo de oposição Fernando Henrique Cardoso. Dividimos a mesma mesa mas não as mesmas idéias. Ele pedia votos para o MDB. Eu fazia campanha pelo voto nulo e a favor da construção de um partido operário. Fernando Henrique gosta lembrar desse episódio, sempre com bom humor, quando nos encontramos. Ele como político, eu como jornalista.
Tudo isso para dizer que FHC marcou a vida de boa parte dos brasileiros durante a luta contra a ditadura. Também colheu o justo mérito pela derrota da inflação com o Plano Real.
Sociólogo, Fernando Henrique sempre teve o raciocínio articulado, pensou e falou muito. Sobre democracia, sobre economia, sobre a evolução do mundo.
Em sintonia com o debate internacional, jamais teve uma visão provinciana dos assuntos brasileiros. Tem bons interlocutores fora do país e conversa com pensadores que tem idéias de ponta sobre o mundo contemporâneo.
Nos últimos tempos, o assunto de FHC mudou. Como se sabe, FHC fala de drogas e voltou a criticar Luiz Inácio Lula da Silva.
Principais personagens da democratização brasileira, é obrigatório compará-los. Ambos estão condenados a fazer isso, o tempo inteiro. São adversários políticos. Detestam-se sem cordialidade, embora a linguagem de FHC seja um pouco mais rebuscada que a de Lula neste aspecto. Quem sabe por isso machuque um pouco mais, também.
Na luta cotidiana, raros políticos souberam utilizar a própria erudição com tanta eficiencia para alcançar objetivos políticos. Se Lula tinha a biografia, FHC tinha a biblioteca.
Se Lula é o exemplo típico daquele cidadão que cresceu contra tudo e contra todos, FHC é aquele personagem que dá a impressão de que a história sempre esteve a seu favor, mesmo em horas difíceis. Como ele próprio já admitiu diversas vezes, não tem uma biografia de quem foi obrigado a atravessar várias camadas geológicas antes de receber a luz do sol.
FHC é um político que quase sempre conseguiu dar a impressão de que, com ele, as mudanças podem acontecer naturalmente, sem arranhões nem feridas fundas.
Por sua formação intelectual, FHC tem uma cultura que lhe permite avistar longe e fundo, embora muitas vezes se possa contestar o uso que deu a tanto conhecimento. FHC tem uma retórica tão eficiente que consegue dar a impressão de que tem razão mesmo quando esta lhe falta. Num país onde mesmo a chamada elite pensante é uma massa ignorante, poucos tem formação para contestá-lo e um número ainda menor se atreve.
A maioria dos admiradores e críticos simplesmente nunca entende o que ele escreve. Adere ou repele. Muitos nem tentaram ler. Falam de teoria da dependencia sem saber do que se trata. Muitos nem sabem que essa “teoria” nunca foi formulada de forma coerente, como um projeto de explicação do país.
Como pensador, FHC teve dois momentos. Participou da construção do desenvolvimentismo, corrente que dominava o pensamento político dos anos 60, que pregava uma forte intervenção do Estado na economia e no progresso social. Tinha uma visão nacionalista e era herdeira, em graus variados, do pensamento marxista.
A partir dos anos 80/90, FHC tornou-se um advogado da economia de mercado, realizando uma conversão que incluiu a defesa de privatizações e o apoio cada vez mais firme ao papel das empresas privadas no desenvolvimento. Vários de seus antigos companheiros de viagem cobraram que nunca explicou o que estava errado no que dizia antes.